terça-feira, 12 de agosto de 2014

PORQUE CANTADOR MISSIONEIRO?

Reparto com os leitores do Bahstidores este texto escrito por um dos responsáveis pela divulgação do nosso folclore musical genuíno , Noel Borges do Canto Fabrício da Silva !

Postado por Matias Moura
www.bahstidores.com



PORQUE CANTADOR MISSIONEIRO?

Noel Guarany

"Quando, nos rancherios mais humildes, do país que fosse, um campesino, com olhar sincero de patriotismo, mesmo abandonado pelos governos e instituições, dizia, ao empunhar seu instrumento: “Vou cantar uma canção da MINHA TERRA”, eu considerava uma verdadeira afronta, isto porque no Brasil não existia canto missioneiro. Aos poucos fui me conscientizando do que estava acontecendo pois estava me tornando um grande instrumentista e um aplaudido cantor campesino só daquilo que o rádio da época tocava e ensinava a tantos outros cantores e tocadores como eu. Vez por outra buscava ler alguma coisa e mais o enigma de minhas origens foi despertando minha curiosidade, em saber o que estou fazendo e para quê?
O sucesso no rádio, nessa época, era “coração de luto”, “Chote Soledade”, gaúcho de Passo Fundo” do Teixeirinha e “Pára Pedro” de José Mendes. Além disso o rádio vivia a martelar alienações desleais ao povo sul americano e grandes cantores entraram no mercado, violentamente, que os próprios Sebastião Silva, começaram a usar pseudônimos Norte Americanos como Dick Farney e outros, procurando dessa maneira vender discos como os Frank Sinatra e outros grandes nomes e ídolos estrangeiros.

Além dessa invasão cultural liderada pelas gravadoras multinacionais, outro atrito existia no Rio Grande do Sul, devido as diferentes regiões como por exemplo a teuto – riograndense, com suas polkas e bandinhas, a Ítalo/riograndense, com a linha de melódica estilizada dos pioneiros do acordeon, da década de 30, década de ouro do rádio sulamericano, onde podemos citar o precursor deste instrumento que foi o “cabo – laranjeira”, do qual nunca se soube o nome (sabe-se que desapareceu na coluna Prestes, após a epopéia da grande marcha) , mas ficaram como exemplo seu pioneirismo Tio Bilia, Reduzino Malaquias, Dedé Cunha e tantos outros.

Começou então, a surgir com muita força, nas missões, a música dos irmãos Bertussi, com dois acordeons, totalmente inautêntica, mas muito apreciada para bailes nos CTGs que estavam proliferando desmedidamente. Não havia músico no Rio Grande do Sul que não tocasse música dos Bertussi. Começaram também a aparecer duplas como os Irmãos Teixeira, Primos Peixoto, Gaúchinhas Missioneiras, irmãos Moreira e um sem fim de imitadores dos Bertussi, música totalmente alienígena para a região das missões, pois os Bertussi, ítalos/riograndenses, já copiavam de Pedro Raimundo, catarinense de Laguna, sem responsabilidade lírica nenhuma com nosso Estado.

Quando comecei a sentir o cheiro da podridão da arte no Rio Grande do Sul e ver cantores alienados, suburbanos vestindo largas e espalhafatosa indumentárias de souvenirs para iludir turistas trouxas, a ver falsos tradicionalistas a berrar alto em potentes emissoras, avalizados por patrões de CTGs a promoverem bailes e churrasqueadas principalmente no dia em que tinham que baixar a cabeça e peregrinar em silêncio numa homenagem póstuma a heróis anônimos que derramaram seu sangue para sustentar aqueles gananciosos de poderes e de sesmarias da Revolução Farroupilha, inclusive cantores de outros estados a confundir a sensibilidade de gaúchos autênticos, tradicionalistas ansiosos por uma personalidade justa no campo cultural do país e a mal ensinar aqueles que se acostumaram com a vida simples do homem do campo riograndense tal como Italianos, alemães que vieram colonizar a solidão de nossas serras, trazendo consigo seu extrovertimento, com bailes animados de querps, farras e risos, colaborando muito para nossa produção e aqui se adaptou ao mate e ao churrasco, exceto à nostalgia do povo sul americano. Chegou-se ao ponto de, no Rio Grande do Sul, não mais se cantar, bastava um gaiteiro para armar-se barulhos e peleias com algum gaúcho de pele indiática, mau olhado pelos moços loiros que o enxotavam.

Além destas barbaridades, há ainda o domínio de incaustos radialistas de todo o país pelo que lhe dita as emissoras do eixo Rio/São Paulo, devido a omissão de nossa autoridades pelo assunto. Por exemplo no Rio de Janeiro, cidade afro/brasileira, a música é o samba, a música mais regionalista de todo o País, mas como tem ritmo, a indústria fonográfica maldosamente chama de música popular brasileira.

Notando eu, essas e outras distorções culturais, comecei então a condenar a ausência do que era nosso. Quem defenderia nosso patrimônio histórico cultural nas missões? Nossas regiões tão lindas em fatos históricos e tão ricas em legendas, decisivas no contexto de entrelaçamento latino americano e um sem fim de riquezas a clamar por uma manifestação lírica de defesa ao consumo da intelectualidade do povo. Cantava eu, então tangos, boleros, canções centro americanas, serestas, guarânias...

Foi então que resolvi retrazer a música missioneira. Para isso, saí para os grandes centros, procurando infiltrar a música das missões e sensibilizar os intelectuais da época, mas graças a minha abnegação e objetividade fui conseguindo fazer com que a música missioneira fosse escutada. Colaborou muito para isto a casa do Poeta Riograndense, onde não posso deixar de reverenciar ao abnegado irmão de luta em defesa da cultura Nelson da Lenita Faquinelle, ao saudoso poeta Ciro Gavião, ao valoroso homem de altas culturas professor Moacir Santana e todo o não menos reverenciado Grêmio Literário Gaúcho, ao qual levei minha humilde mensagem. De sorte que, quando começavam a surgir companheiros que abraçavam junto comigo essa luta em defesa do patrimônio histórico cultural regional, como Cenair Maicá, Pedro Ortaça, entre outros, quando ao consultar velhos payadores e guitarreiros, como também gente intelectualizada e a receber seus incentivos, soube que a minha bandeira seria uma só “CANTAR A MINHA TERRA”.

Fonte : http://www.probst.pro.br/ 

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